Como afirma Walter Benjamin (1985), é a
partir das cores que as crianças aprendem. Com base nessa afirmação, pode-se
levantar a hipótese de que o livro infantojuvenil tem utilizado mais de
ilustrações, cores, traços e outros aspectos, para, cada vez mais, conquistar a
criança do mundo contemporâneo. Isso é observado a partir da visível quantidade
de livros que trazem, especialmente, menos palavras para contar histórias e mais
recursos visuais, visto que a criança encontra-se em uma geração movida pelo
contato com o áudio e o visual, a chamada geração Z, a qual está sempre conectada
com o mundo e “antenada” com a tecnologia, além de estar em movimento constante,
participando ativamente em redes sociais. No entanto, isso não justifica a
publicação de uma obra infantil pautada apenas em ilustrações, deixando de lado
a palavra, o discurso. Walter Benjamin (1985) ainda afirma que:
A imagem
colorida faz a fantasia mergulhar sonhadoramente em si mesma. [...] A imperiosa
exigência de escrever, contida nessas imagens, estimula na criança as palavras.
(BENJAMIN, 1985, p. 241).
Logo, Castro (1984), na década de 1980,
mostra que a união da palavra e da ilustração na literatura infantojuvenil
faz-se importante para criar um discurso, que, a partir dele, a criança
utilizará para criar seu próprio discurso e que, depois, incorporará a outros discursos
para, mais tarde, pertencer e sentir-se parte da sociedade, processo que o
autor considera totalmente normal no desenvolvimento humano e que cabe à
pedagogia e aos livros, ou seja, à literatura infantil.
Com base nesses comentários, o livro a
ser comentado denomina-se O peixinho e o
sonho, publicado em 1988, pela Editora Dinâmica, de São Bernardo do
Campo/SP, junto da Formato Editorial, de Belo Horizonte/MG. A história foi
criada pelo casal que escreveu o livro, Regina Siguemoto, autora do texto, e José
Carlos Martinez, ilustrador.
O livro conta a história de Tico, um
peixinho que vive com seu avô, Tonico, em um rio poluído. Num dia, ao ouvir uma
das histórias de seu avô sobre a existência de um rio limpo, colorido e cheio
de vida, decide ir a busca desse “Eldorado” das águas. Durante sua viagem,
embarca em algumas aventuras, até encontrar o rio que tanto procurava, com seu
avô esperando-o.
O tamanho do livro é de 21 cm x 19,5 cm, fechado, e 21 cm x 39 cm, aberto, reproduzindo assim uma
tela de TV ou cinema, deixando as ilustrações num tamanho grande, com algumas
ocupando todo o espaço do livro aberto, ou seja, as duas páginas. As
ilustrações são coloridas e estão em harmonia com a história, pois há momentos que
ilustram, no sentido literal da palavra, o enredo, sendo, até então, apenas um
complemento do enredo, não tirando a atenção, o foco e a importância do texto. Portanto,
apenas as ilustrações não são suficientes para comunicarem à criança a
história, o texto é necessário e faz-se de suma importância. Além disso, é
perceptível que as imagens não propõem nenhum movimento, são estáticas, que
apenas resumem o texto colocado em uma das páginas.
Ao pensar no uso das cores, é visivelmente
forte a distinção entre o cinza e o colorido. Essas cores são usadas
constantemente, pois ilustram a história: quando o texto trata do lixão,
predomina o cinza; quando trata do rio limpo e da natureza, entra em cena o
colorido das árvores e dos rios límpidos. Mesmo quando se fala do homem, a cor
predominante é o cinza, o que seria uma maneira de criticar a intervenção do
homem no meio, mostrando que tudo o que ele toca e com o que se relaciona é
cinza, sujo, denotando que ele é o maior produtor de sujeira no mundo. Inclusive,
há uma parte no texto que deixa bem claro essas hipóteses.
Tico descobriu
que o mundo dos homens também era cinza. As casas eram cinza, os muros eram
cinza, as calçadas eram cinza. Era cinza pra todo o lado. (SIGUEMOTO; MARTINEZ,
1988).
Apenas os objetos, que se encontram
dentro do rio, isto é, que fazem parte do lixo, são coloridos, tanto no rio
poluído quanto em outros lugares. Ao final do livro, quando o personagem
principal encontra o rio limpo que procurava, tudo fica colorido.
O personagem principal é Tico, um
peixinho criado por seu avô, Tonico. Tico coloca em sua cabeça a ideia de achar
o lugar bonito e limpo que seu avô tanto falou que existia. Quanto aos nomes,
Tico é uma diminuição de Tonico, o que traz a hipótese de que para Tico crescer
e tornar-se adulto, um Tonico, deve alcançar a sabedoria de seu avô, ser experiente,
aspecto que Walter Benjamin (1985) retoma em sua obra, ao discursar sobre a
experiência e a falta dela no mundo contemporâneo.
A capa do livro não é chamativa.
Predomina a cor cinza, porém o título aparece em vermelho. No entanto, a imagem
de Tico numa espécie de “aquamóvel” – nome que ele dá à sua construção – passa
a imagem de que o livro trará uma aventura, além de estar vinculada ao título, O peixinho e o sonho, sugerindo, realmente,
uma jornada. Na página de rosto, há o nome do livro e a imagem de Tico
pensando, segurando uma ferramenta, o que levanta a hipótese de que Tico é um
peixinho inteligente, e que ao pensar, alcança o que deseja, realiza os sonhos,
palavra que, sobretudo, faz parte do título.
Encontram-se, na narrativa,
características literárias, como a presença das figuras de linguagem, iniciando
a criança na linguagem literária e no mundo encantador da literatura,
começando, primeiramente, pelos personagens, que são animais com
características humanas, imitando assim as fábulas. Por causa disso, uma das
figuras é a personificação, quando um dos personagens dá qualidades de ser
humano ao “bumbum” do narrador, Tico, ao afirmar: “Ele [avô] anda à sua procura com o maior chinelo que o seu bumbum já viu.” [grifo meu]
(SIGUEMOTO; MARTINEZ, 1988); além disso, percebe-se também a metonímia, ao
tomar de uma parte (o bumbum) para representar o todo (o corpo, o personagem)
que “vai levar uma surra”.
As ilustrações estão em duas dimensões
(2D), aspecto que, como dito anteriormente, não passa a ideia de movimento,
diferenciando-se do HQ, que contém quadros, sugerindo movimentos dos
personagens, ferramenta utilizada no cinema, com o storyboard.
O livro faz brincadeiras com as palavras,
como, por exemplo, no seguinte trecho:
[...] Até pensou
em descansar, mas o chafariz tinha tanto lixo, que mais parecia o lixão do rio.
O lixo ocupava todo o espaço, não cabia
nem um Tico lá dentro. [destaques
meus] (SIGUEMOTO; MARTINEZ, 1988).
Com isso, pode-se pensar, hipoteticamente,
numa desautomatização de ditos populares, por substituir a palavra tico pelo
substantivo próprio Tico, o que fornece novo sentido ao dito popular, o de que
não cabe o Tico “personagem”. No entanto, com esse jogo de palavras, a criança
entende que não cabe mais nada no lugar, um
tico de gente, de nada, denotando a plurissignificação, a ambiguidade de
que trata Ezra Pound em ABC da literatura.
Ao final, o livro ainda revela seu
caráter pedagógico, o que era comum na literatura infantojuvenil entre as
décadas de 1980 e 1990, pois após o personagem principal encontrar o rio que
tanto buscou, o avô sai à procura dele para dar-lhe uma surra de chinelo, uma
vez que seu neto saiu sem avisá-lo aonde iria, deixando-o preocupado, ou seja, a
história passa ainda a lição de que as crianças devem avisar às pessoas
responsáveis por elas aonde vão, com quem e o que farão, para não deixá-las
preocupados.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica – Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985.
CASTRO, Manuel Antônio de. Literatura
infantojuvenil. In: Rogel Samuel
(Org.). Manual de teoria literária.
Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984.
SIGUEMOTO, Regina; MARTINEZ, José Carlos. O peixinho e o sonho. São Bernardo do
Campo: Editora Dinâmica; Belo Horizonte: Formato Editorial, 1988.
Veja on-line.
Seção – Na internet. “A geração Z”. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/jovens/apresentacao.html>.
Acesso em: 01 jun. 2012.