segunda-feira, 2 de novembro de 2009

CHEGADA A MIM MESMO

Eu sei quando chego a São Paulo: os carros formam inúmeros rosários por toda a sua extensão de piche. Eu sinto quando chego a São Paulo: o ar de chumbo enchumba os meus pulmões e irritam os meus olhos. A maior metrópole da América Latina encontra-se entre os pedestres e os automotivados. Todos estes, no entanto, perdem-se no imenso e caótico corpo humano que é a capital paulista.

Em um sábado fui à Big Apple brasuca. Perdi-me. Encontrei-me e perdi-me novamente. A cidade me fascina ao mesmo tempo em que me assusta. Não sou eu quem passa por São Paulo. Eu apenas corto e costuro os vários tecidos vindos de todo os lugares do mundo e que desembocam e constroem suas teias na cidade. Eu não falo o R do paulista. Tenho o R do caipira, mas, ainda assim, admiro a magnitude que essa floresta de concreto exerce sobre mim.

No caminho ao município infestado com casas erguidas como varais, durmo enquanto não me encontro nos braços dos faróis, árvores, paredes, prédios e tantos outros limites da cidade que não dorme e que me acolhe friamente. E fria, a mente me tortura com imagens que me levam aos campos e descampados onde eu andava descalço nos tempos de peralta, mas que tive de abandonar para vestir sapatos de couro e all star. Tive que me reeducar, refazer a barba e o cabelo. Hoje, o passado não define quem sou e o futuro também não me mostra o que serei.

Dessa maneira, sou mais um sem rosto que chega à Avenida Paulista, mas que assume a única identidade que me resta incorporar: a de um turista de mim mesmo, a de um sujeito desterritorializado de seu mundo encantado pela Emília, pelo Saci-Pererê, pelos animais falantes, reis e magos.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O EX-CÔNJUGE QUER SER MAIS QUE UM RETRATO NA PAREDE: SER UM FANTASMA

É engraçado como o passado retorna travestido de fantasmas. Os móveis já foram cobertos por lençóis brancos; os retratos das paredes, embalados e colocados em caixas de sapatos; os rastros de vida e cor, que habitavam os cantos dos cômodos e que tomam a forma de polaroides diárias, encerrados em estantes empoeiradas na garagem. E, ainda assim, pesadelos ainda geram as assombrações que me perseguem no calor do sol. É caso de estudo quando estas assombrações insistem em não serem enterradas (de bruços!) ou cremadas. Em namoros, por exemplo, enquanto um dos dois possui algo que é do outro, já é o suficiente para a ex-morta ressuscitar muito mais viva e latente do que um bebê (isso também serve para o sexo masculino). E isso fica mais incrível ainda, quando a ex-morta-viva tem não somente a pretensão de ser eterna, mas, ao mesmo tempo, de ser atual, aterrorizando os sonhos do ex-companheiro. As noites passam a ser longas e os dias, mais longos ainda. Os ponteiros dos relógios, nessa hora, parecem odiar o infeliz que foi “chutado” pela ex-namorada. Quando os pombinhos estavam juntos, os ponteiros também não eram bem vistos, mas é porque não damos a devida atenção a eles, pois temos coisas mais interessantes a fazer do que contar os segundos para a partida.
No entanto, em alguns relacionamentos que não acabam em funerais, shownerais ou circonerais, os cônjuges tornam-se, entre si, verdadeiros aliados; autênticos braços direito e de ferro do companheiro. Chegam a fazer até trabalhos e relatórios de faculdades, cursos ou qualquer outro estudo específico. E é tudo pelo bem da união e do amor. Minha mãe é um exemplo disso. Enquanto meu pai ralava e vendia o suor em troca de uma boa situação para a família, era ela quem fazia os trabalhos de faculdade para ele. Mas quem pegou o canudo foi meu pai. Contudo, para mim, o mérito é dos dois. Devia vir anexado no diploma dele, um outro, com os seguintes dizeres: Diploma de Honra e Mérito à senhora sua esposa, pois ela acaba de se formar, também, no nível superior.
A verdade é que todo esse companheirismo foi apagado como uma lavagem cerebral em nossa sociedade moderna. Somos egocêntricos. Egoístas. Contamos as nuvens com um pensamento que martela nosso interior: não preciso da ajuda de ninguém. Somos narcisistas. Mas, a culpa não é somente do indivíduo ou nossa. Todos os dias somos bombardeados com um mar de informações, modismos, comportamentos e entre tantas outras coisas. E chegamos a nos afundar em um mar tão sobrecarregado. Atualmente, é muito mais fácil um dos cônjuges “pagar” para ter o trabalho de faculdade pronto, do que pedir delicadamente e com carinho ao companheiro uma pequena ajuda, fortalecendo, assim, a relação. Desaprendemos a criar laços. Ganhamos a internet, a aviação e, até mesmo, a possibilidade de viver por cem anos, mas perdemos a afetividade entre nós. Transformamo-nos em um daqueles brinquedos de plástico, que ainda lembro de meu pai comprar, para me presentear no dia das crianças. Transformamo-nos em seres descartáveis. Por essa razão, as relações modernas do século XXI são como as pegadas e os recados românticos deixados na areia de uma praia qualquer, pois a próxima onda sempre leva, sempre apaga, seja maremoto ou calmaria, e deixando somente uma sombra, um fantasma que tem a pretensão de ser eterno.
(Adams Almeida Lopes, 07 de agosto de 2009)

sábado, 25 de julho de 2009

CORRIDA INJUSTA QUE TODO BRASILEIRO SORRIDOENTE

Um maratonista brasileiro corre para superar obstáculos e os seus próprios limites. Corre por esporte. Corre pelo gosto de trazer uma medalha de ouro pendurada no pescoço. Corre pelo orgulho de ser patriota. Corre pelo orgulho que a família traz em seu seio.
Um trabalhador de uma grande cidade, uma metrópole como São Paulo, com seus braços e pernas engarrafadas e as artérias entupidas até às bocas, corre para atropelar os ponteiros do relógio, que batem fortes e impacientes. Corre para ser mais rápido que a bala de um revólver, que do outro lado da cidade ou do país, atinge um inocente ou simplesmente um viciado em crack. Corre para não deixar as suas demais bocas secas. Corre para a sua família não ouvir os cantos dos parasitas sugando-lhes as energias, a vida.
No sertão, nossos irmãos abandonados correm para não servirem de espantalhos para os grandes donos de postos de gasolinas ou de fazendas. No sertão, nossos irmãos marginalizados correm para não servirem de comida aos urubus, que competem com as moscas para saberem quem é o dono do ar, já que no chão alaranjado não há frutas e nem sinal de sementes de esperanças. No sertão, nossos irmãos desamparados sofrem com as leis, que ainda são as do Coronelismo e as do jagunço, do lampião. No entanto, agora, não se usam cavalos e garruchas de calibre 38, mas sim, automóveis e metralhadoras automáticas. No sertão, os homens acompanham, seguem e são massacrados pela modernização. Somente as leis continuam paradas nas linhas mortas e silenciosas de um livro amarelado, empoeirado e coberto de traças. Traças cabeludas, carecas, com bigodes ou sem bigodes. Há traças para todos os tipos de livros e leis.
Ainda assim, há pelo menos dois motivos que faz todo brasileiro correr com um sorriso estampado no rosto, de orelha a orelha e sem medo nenhum rastreando e vagando pelo corpo: o carnaval (rico em hormônios e feromônios) e o futebol (a paixão nacional!). Dá-lhe o Rio de Janeiro! Dá-lhe a Bahia! Dá-lhe a CBF! Dá-lhe o Pelé!
Somente assim, o povo corre contente, sorridoente, mesmo que seja para daqui a nove meses correr para lotar os hospitais até o teto, ou para nadar e morrer na praia, em um país qualquer, numa competição qualquer, numa copa qualquer, e não voltar nem com uma medalha de ouro no peito.
Dá-lhe o Brasil! Dá-lhe o brasileiro!
Samba, Brasil, que o samba é doce.
(Adams Alpes, 24 de julho de 2009)

terça-feira, 21 de julho de 2009

GRIPE CAUSA STATUS QUO

Michael Jackson era um visionário. Custo a acreditar que, um homem que ditou modas e regras a todas as culturas distribuídas nesse planeta, tenha partido da forma como partiu: dessa para melhor, sem dar seu último grito, seu último rodopio, sem se despedir. Certo estava Michael. Eu não olharia para trás, para um mundo onde todos o crucificaram, em vez de abraçá-lo, como sempre clamou: como uma criança desprotegida, diante da boca de um leão, este último, transformando seus sonhos em pesadelos. Antes mesmo da gripe suína estrear nas telonas de todo o mundo, o guru da música pop já lançava moda com as suas “máscaras”. Atualmente, a gripe suína, para compensar a morte do astro-rei, faz com que as pessoas queiram utilizar, a cada dia que passa, mais e mais, esse acessório michaeljacksoniano e, a cada hora que finda, aumentam os adeptos da moda da “máscara”.
Há pouco, li nos jornais, que os hospitais no Rio de Janeiro e em São Paulo estão em uma situação em que salta gente pelas janelas para ser atendida. Tudo culpa da mídia. O mais engraçado é que o povo brasileiro fisga direitinho a isca e aglomera-se, metro por metro, nos corredores dos hospitais, transformando a saúde pública num caos. Mas, é exatamente isso que a mídia quer. Portanto, ter gripe suína no país do carnaval, é ter status. É entrar para o hall da fama das pessoas que pegaram uma epidemia mundial que entrou pelas portas da frente do país: com os turistas que, diariamente, entram e saem dos aeroportos do nosso país, com ou sem aquela afeição de bonzinhos, carentes e deslumbrados com tanta beleza (principalmente das mulheres), e que somente conhecem o carnaval, Pelé e, agora, o Ronaldo. No país do futebol, que pessoa não quer se gabar para os amigos e para a família, que esteve internado por causa de uma doença que pegou de um turista mexicano, espanhol ou norte-americano?
O fato mais cômico, e que chama mais a atenção, é que se fosse o dia nacional de doação de sangue, de doação de órgãos ou de doação de agasalho, com toda a certeza, e arranco meus ouvidos se eu estiver errado, os hospitais não estariam lotados de pessoas até à tampa, pulando pelas janelas, implorando para os médicos um minuto de atenção. Os bancos de sangue não estariam vivenciando um caos e a mídia, muito menos, divulgaria tal ação. Fato curioso: alguém já reparou que os médicos que realizam os atendimentos aos suspeitos da gripe suína não são adeptos aos acessórios da moda, como as máscaras, as luvas etc.? Muito menos os vejo usufruindo o banheiro e lavando as mãos a cada atendimento feito. É! A gripe suína é o caminho mais curto para se tornar emergente ou socialite. Um dia desses, meu pai, para conseguir uma meia-dúzia de gatos pingados para doar sangue no hospital público, teve que gastar a língua tentando convencer os amigos que um dia poderia ser um deles no lugar de quem precisa. Ainda assim, não conseguiu o impacto que queria. Também, meu pai não é nenhum “âncora” de um noticiário sensacionalista em uma dessas emissoras nacionais de televisão. Além disso, muitos ainda são os pré-conceitos nessa hora, como por exemplo, o medo de pegar doenças, entre outros. Engraçado: na hora de pegar a gripe suína, dentro de um hospital público, ninguém treme na base como vara verde, mas, há nora de doar sangue, o hospital causa uma vertigem, não é? É porque doar sangue não traz status quo a ninguém. Imagine-se em uma roda de amigos: se disser que doou sangue, ninguém aplaude. Ninguém assobia. Ninguém vibra. No entanto, se disser que esteve de cama durante alguns dias, por causa da gripe suína, todos irão te vangloriar, te encher de perguntas e fazer um busto para condecorá-lo. Na ocasião, torna-se até herói da cidade. O povo brasileiro é o que mais tem o rabo dos olhos virado para o próprio umbigo e não se importa com o dia de amanhã. Além disso, é um povo extremamente acomodado. Ainda mais depois que o Obama teve a coragem de dizer que nosso querido presidente Lula é o “cara”. Obama!, venha para o Brasil, meu querido. Venha viver alguns meses aqui. Encontre um barraco na Rocinha ou na Cracolândia, ou ainda, quem sabe, nas grandes cidades cosmopolitas, como as capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Você verá como é gostoso desejar ter gripe suína para aparecer no jornal, para ter fama e sucesso por quinze minutos. Você verá como a mídia manda e desmanda em um povo fraco e carente de uma nação forte, firme e com seus heróis, como super-homem. Você verá como é fazer parte de um povo sem identidade e que tem apenas um grito às margens plácidas do Ipiranga e, mesmo assim, falso e pintado à francesa. Um povo carente de heróis, pois não tem a menor ideia e não sabem quem são os verdadeiros heróis de nossa aquarela.
Ainda por cima, para complicar a minha crônica, moro em uma cidade onde tudo, exatamente tudo, “pula” nosso pequeno território. A chuva pula, o calor pula, o circo, os parques, até a gripe suína pula essa cidade. Sorte minha e azar dos meus colegas, já que não vão aparecer nos jornais, nem mesmo locais, sendo vítimas da gripe que fornece status quo social.


(Adams Alpes, 21 de julho de 2009).

terça-feira, 30 de junho de 2009

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O INTELECTUAL MODERNO

Até um pouco mais de tempo, a vida nos cleros era sofrível. Atualmente, o lado da moeda é outro. Correndo na contramão do que chamaríamos de normalidade, é o intelectual que carrega a cruz da negação. Ser intelectual, hoje no país, é abdicar de todos os prazeres que a vida tem a oferecer. O intelectual faz voto de pobreza e de castidade: não enriquece, não tem vida social, não tem amigos, família e muito menos relações amorosas, quem dirá casar. Ser intelectual é ser o outro, a sombra, aquele que estuda a sociedade para o nada. Uma vida sem motivos irrisórios.
Conheço um intelectual que, aos 50 anos de idade, mora com os pais, não tem carro, mulher e filhos. Ele vive para os alunos dele, para os livros e suas teses e mais teses que não lhe rendem nenhum mérito sequer.
Ser intelectual é ser um alienado.
A sociedade e a juventude brasileira não querem uma vida voltada para a intelectualidade. Para o Estado o ditado é: quanto mais ignorante melhor. Vejam os índices de educação: semi-analfabetos formando-se no ensino médio e transformando o nível superior em ensino recauchutado. E mais: é nítida a inércia da intelectualidade no povo brasileiro, simplesmente pela presença dos mesmos políticos corruptos governando a nossa nação, justamente porque uma nação ignorante não tem poder de tirar os vermes imundos e engravatados de seus tronos empesteados de sangue e suor do povo brasileiro.
A intelectualidade é uma m****.
Os meus alunos têm uma perspectiva de mim. Engraçado. Há algum tempo era eu quem pensava que professores ou intelectuais não possuíam vida social. No entanto, atualmente meus alunos, ao contrário, me carregam para as mesmas festas que eles. Afinal de contas, em tempos como os nossos, ser intelectual não é cool.
Para a família, ter um filho intelectual é algo de extremo sentimento de orgulho e ao mesmo tempo de preocupação. É como diz Cazuza às mães, “é padecer no paraíso”. Os pais têm orgulho porque o filho é inteligente, questiona a realidade e procura encontrar formas de resolver as questões nacionais. No entanto, surgem minhocas sobre como o filho-intelectual sobreviverá, qual será seu ganha-pão etc. Perguntas importantíssimas para qualquer pai, pois não quer sustentar um “vagabundo” a vida inteira. Para alguns pais, intelectual é sinônimo de “vagabundice”. Agora, além dos artistas, os intelectuais somam-se à grade de desinteressados pela vida real, por dinheiro entre outros aspectos da modernidade. Engraçado como os papéis mudam com o passar do tempo.
E onde entra a mulher na vida do intelectual? Não entra! Nenhuma mulher quer um homem intelectual ao seu lado. O intelectual não diz “Te amo” sem antes fazer uma análise. O intelectual não transa sem antes traçar toda a metodologia de como serão todos os caminhos percorridos para o prazer, para o gozo, que chegam até comparar ao ato da criação divina. A mulher não consegue aguentar homens que se acham deus, que não acreditam nele ou que duvidam de sua existência. Já para algumas mulheres, o intelectual nem sexo tem. É apenas uma idealização do homem que gostariam de ter, mas que não passariam sequer um ano dividindo a mesma cama com eles, pois elas preferem os "cachorros".
Confirmando o que eu disse: ser intelectual no Brasil é f***!
Eu devia ter dado ouvidos ao meu velho pai: “Estude menino! Vá ser doutor! Vá ganhar dinheiro!”.


(Adams Alpes, Caçapava, 25 de maio de 2009).

O JAZZ, O SERTÃO E O AMOR

Deitado em minha cama, pensamentos absurdos não permitiam meus olhos calarem-se. Pensamentos mal treinados insistiam em segurar com palitos os toldos dos meus olhos tão cansados pelas cores do dia a dia. Não eram um arco-íris, nem uma selva de pedra, como São Paulo, e nem amarela, vermelha e alaranjada como o sertão, que agora estava azul. Eram cores difusas, que agora se aglomeravam desordenadamente.
Em meio a tudo isso, descobri o amor. O jazz silenciou os pensamentos absurdos e brotou em meus olhos e coração, o sertão, que agora estava debaixo d’água. O jazz me contagiou. Adentrou em meus ouvidos, alcançou meu coração, passeou pelas veias de meu corpo e alçou vôo à minha mente, um pouco perturbada pela madrugada seca e sonolenta. Pensei em corpos que mutilei em pensamentos impuros; no sertão que o sertanejo se enraíza por ele e por cada pedaço ou metro de terra laranja sem sabor de fruta; nas pessoas correndo solitariamente entre prédios, casas, fantasmas, desconhecidos sentados ou em pé em metrôs, que cortam o grande corpo humano que é São Paulo, mas dono de um coração grande, cheio, triste, solitário e duro, com sabor de cinza.
Embalado pelo jazz em minha cama, depois de lido que o Nordeste sofre um dilúvio e de sentir, num final de semana, que São Paulo é um grande vazio (apesar de transbordar de vidas), pude começar a entender o que é o amor. É a terra, que enquanto laranja e rachada sorri na face do sertanejo; é um estranho fazendo compras num supermercado e que continua desconhecido aos olhos de todos; sou eu, deitado na cama, com a caneta numa mão, o caderno na outra e nos ouvidos, o jazz, porque hoje, agora, estou jazz.
(Adams Alpes, Caçapava, 06 de maio de 2009).

quarta-feira, 1 de abril de 2009

PEQUENO CONTO DE ANIVERSÁRIO-FINADO

6 de abril. Acordei. A manhã voou em meus sonhos. O turno dos passarinhos não foi capaz de me abrir meus olhos.
Meio-dia. Nenhuma lembrança. Nenhum abraço. Nenhum telefonema. Nenhuma mensagem. Nada! Almocei rapidamente e joguei meu corpo relutante no sofá. Estava de calção, sem camisa e despenteado.
Liguei a televisão. Pulei de canal em canal “devangustiosamente”. Passados alguns minutos, todos os canais disponíveis não foram suficientes. E assim, a tarde correu. No que o ponteiro marcava 12 horas, num instante já alcançava a casa dos 16 e me visto rapidamente e saio.
Estava sentado, amuado. A minha cara escorregava por entre minhas mãos pequenas e desconcertantes. O ponteiro marcava 17 horas. Reunião de trabalho. Horas de trabalho perdidas coletivamente. Novamente nenhum abraço, aperto de mão, cumprimento, lembranças ou perguntas. O final da tarde teimava em me abandonar. O que vivia duas horas levava dois séculos para morrer. Fim.
...............................................................................................................
Não! Não é o final da estória ainda.
Vaguei pela cidade. Ninguém me via. As lojas não me ofereceram, pela primeira vez, nenhum crediário, nenhum desconto e nenhum juro. Nenhum vendedor, transeunte ou cidadão caçapavense direcionou-me um cumprimento.
Arrastei-me à minha casa. Parado, ao portão, revirei os meus bolsos e nada. Depois de três nuvens passadas, minha irmã chegou. “Oi”. “Hum hum”, disse, enquanto admirava as formiguinhas juntas, carregando coisas, que me lembravam pedaços de doces, enquanto resvalavam as antenas umas nas outras.
Minha irmã abriu a casa e novamente nenhum abraço, frases e apertos de mãos. Sou um morto vivo. Sou um fantasma. Hoje, meu querido Drácula, posso jogar-me ao espelho que nem as minhas rugas trairiam-me.
Subo ao meu quarto. Meu mundo. Meu reino. Aqui, sei que sou senhor do meu tempo.
Abro o livro que dantes estava lendo. Deito-me em minha cama. Meu corpo dói. Meus olhos ardem. Continuo a ler meu livro com o mesmo entusiasmo que acordei pela manhã e que carreguei nas costas e no coração durante todo o dia.
Adormeço.
O quê? O fim?
Relaxe. Vire de lado e durma.
Amanhã é dia 7 de abril.