sábado, 23 de junho de 2012

O peixinho e o sonho (1988)



Como afirma Walter Benjamin (1985), é a partir das cores que as crianças aprendem. Com base nessa afirmação, pode-se levantar a hipótese de que o livro infantojuvenil tem utilizado mais de ilustrações, cores, traços e outros aspectos, para, cada vez mais, conquistar a criança do mundo contemporâneo. Isso é observado a partir da visível quantidade de livros que trazem, especialmente, menos palavras para contar histórias e mais recursos visuais, visto que a criança encontra-se em uma geração movida pelo contato com o áudio e o visual, a chamada geração Z, a qual está sempre conectada com o mundo e “antenada” com a tecnologia, além de estar em movimento constante, participando ativamente em redes sociais. No entanto, isso não justifica a publicação de uma obra infantil pautada apenas em ilustrações, deixando de lado a palavra, o discurso. Walter Benjamin (1985) ainda afirma que:

A imagem colorida faz a fantasia mergulhar sonhadoramente em si mesma. [...] A imperiosa exigência de escrever, contida nessas imagens, estimula na criança as palavras. (BENJAMIN, 1985, p. 241).

Logo, Castro (1984), na década de 1980, mostra que a união da palavra e da ilustração na literatura infantojuvenil faz-se importante para criar um discurso, que, a partir dele, a criança utilizará para criar seu próprio discurso e que, depois, incorporará a outros discursos para, mais tarde, pertencer e sentir-se parte da sociedade, processo que o autor considera totalmente normal no desenvolvimento humano e que cabe à pedagogia e aos livros, ou seja, à literatura infantil.
Com base nesses comentários, o livro a ser comentado denomina-se O peixinho e o sonho, publicado em 1988, pela Editora Dinâmica, de São Bernardo do Campo/SP, junto da Formato Editorial, de Belo Horizonte/MG. A história foi criada pelo casal que escreveu o livro, Regina Siguemoto, autora do texto, e José Carlos Martinez, ilustrador.
O livro conta a história de Tico, um peixinho que vive com seu avô, Tonico, em um rio poluído. Num dia, ao ouvir uma das histórias de seu avô sobre a existência de um rio limpo, colorido e cheio de vida, decide ir a busca desse “Eldorado” das águas. Durante sua viagem, embarca em algumas aventuras, até encontrar o rio que tanto procurava, com seu avô esperando-o.
O tamanho do livro é de 21 cm x 19,5 cm, fechado, e 21 cm x 39 cm, aberto, reproduzindo assim uma tela de TV ou cinema, deixando as ilustrações num tamanho grande, com algumas ocupando todo o espaço do livro aberto, ou seja, as duas páginas. As ilustrações são coloridas e estão em harmonia com a história, pois há momentos que ilustram, no sentido literal da palavra, o enredo, sendo, até então, apenas um complemento do enredo, não tirando a atenção, o foco e a importância do texto. Portanto, apenas as ilustrações não são suficientes para comunicarem à criança a história, o texto é necessário e faz-se de suma importância. Além disso, é perceptível que as imagens não propõem nenhum movimento, são estáticas, que apenas resumem o texto colocado em uma das páginas.
Ao pensar no uso das cores, é visivelmente forte a distinção entre o cinza e o colorido. Essas cores são usadas constantemente, pois ilustram a história: quando o texto trata do lixão, predomina o cinza; quando trata do rio limpo e da natureza, entra em cena o colorido das árvores e dos rios límpidos. Mesmo quando se fala do homem, a cor predominante é o cinza, o que seria uma maneira de criticar a intervenção do homem no meio, mostrando que tudo o que ele toca e com o que se relaciona é cinza, sujo, denotando que ele é o maior produtor de sujeira no mundo. Inclusive, há uma parte no texto que deixa bem claro essas hipóteses.

Tico descobriu que o mundo dos homens também era cinza. As casas eram cinza, os muros eram cinza, as calçadas eram cinza. Era cinza pra todo o lado. (SIGUEMOTO; MARTINEZ, 1988).

Apenas os objetos, que se encontram dentro do rio, isto é, que fazem parte do lixo, são coloridos, tanto no rio poluído quanto em outros lugares. Ao final do livro, quando o personagem principal encontra o rio limpo que procurava, tudo fica colorido.
O personagem principal é Tico, um peixinho criado por seu avô, Tonico. Tico coloca em sua cabeça a ideia de achar o lugar bonito e limpo que seu avô tanto falou que existia. Quanto aos nomes, Tico é uma diminuição de Tonico, o que traz a hipótese de que para Tico crescer e tornar-se adulto, um Tonico, deve alcançar a sabedoria de seu avô, ser experiente, aspecto que Walter Benjamin (1985) retoma em sua obra, ao discursar sobre a experiência e a falta dela no mundo contemporâneo.
A capa do livro não é chamativa. Predomina a cor cinza, porém o título aparece em vermelho. No entanto, a imagem de Tico numa espécie de “aquamóvel” – nome que ele dá à sua construção – passa a imagem de que o livro trará uma aventura, além de estar vinculada ao título, O peixinho e o sonho, sugerindo, realmente, uma jornada. Na página de rosto, há o nome do livro e a imagem de Tico pensando, segurando uma ferramenta, o que levanta a hipótese de que Tico é um peixinho inteligente, e que ao pensar, alcança o que deseja, realiza os sonhos, palavra que, sobretudo, faz parte do título.
Encontram-se, na narrativa, características literárias, como a presença das figuras de linguagem, iniciando a criança na linguagem literária e no mundo encantador da literatura, começando, primeiramente, pelos personagens, que são animais com características humanas, imitando assim as fábulas. Por causa disso, uma das figuras é a personificação, quando um dos personagens dá qualidades de ser humano ao “bumbum” do narrador, Tico, ao afirmar: “Ele [avô] anda à sua procura com o maior chinelo que o seu bumbum já viu.” [grifo meu] (SIGUEMOTO; MARTINEZ, 1988); além disso, percebe-se também a metonímia, ao tomar de uma parte (o bumbum) para representar o todo (o corpo, o personagem) que “vai levar uma surra”.
As ilustrações estão em duas dimensões (2D), aspecto que, como dito anteriormente, não passa a ideia de movimento, diferenciando-se do HQ, que contém quadros, sugerindo movimentos dos personagens, ferramenta utilizada no cinema, com o storyboard.
O livro faz brincadeiras com as palavras, como, por exemplo, no seguinte trecho:

[...] Até pensou em descansar, mas o chafariz tinha tanto lixo, que mais parecia o lixão do rio. O lixo ocupava todo o espaço, não cabia nem um Tico lá dentro. [destaques meus] (SIGUEMOTO; MARTINEZ, 1988).

Com isso, pode-se pensar, hipoteticamente, numa desautomatização de ditos populares, por substituir a palavra tico pelo substantivo próprio Tico, o que fornece novo sentido ao dito popular, o de que não cabe o Tico “personagem”. No entanto, com esse jogo de palavras, a criança entende que não cabe mais nada no lugar, um tico de gente, de nada, denotando a plurissignificação, a ambiguidade de que trata Ezra Pound em ABC da literatura.
Ao final, o livro ainda revela seu caráter pedagógico, o que era comum na literatura infantojuvenil entre as décadas de 1980 e 1990, pois após o personagem principal encontrar o rio que tanto buscou, o avô sai à procura dele para dar-lhe uma surra de chinelo, uma vez que seu neto saiu sem avisá-lo aonde iria, deixando-o preocupado, ou seja, a história passa ainda a lição de que as crianças devem avisar às pessoas responsáveis por elas aonde vão, com quem e o que farão, para não deixá-las preocupados.


REFERÊNCIAS
 
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica – Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

CASTRO, Manuel Antônio de. Literatura infantojuvenil. In: Rogel Samuel (Org.). Manual de teoria literária. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984.

Exame.com. Seção – Pesquisa. “Geração Z é mais conectada, fuma menos e lê pouco”. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/geracao-z-e-mais-conectada-fuma-menos-e-le-pouco-diz-pesquisa>. Acesso em: 01 jun. 2012.

SIGUEMOTO, Regina; MARTINEZ, José Carlos. O peixinho e o sonho. São Bernardo do Campo: Editora Dinâmica; Belo Horizonte: Formato Editorial, 1988.

Veja on-line. Seção – Na internet. “A geração Z”. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/jovens/apresentacao.html>. Acesso em: 01 jun. 2012.