segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O romance moderno


Em tempos modernos, já não sei mais o que é o romantismo. A modernidade está transformando a ideia que tenho dele. Por exemplo: outro dia fui almoçar em uma rede de fast-food. Eu esperava meu prato, um frango empanado com arroz e batata frita, e um suco de limão. Enquanto eu aguardava meu almoço, observava as pessoas ao meu redor, especificamente os casais. Avistei três, todos de faixa etária diferente. Um casal era de jovens; o outro, de meia-idade; e o terceiro, de idosos.

Meu prato chegou. Comecei a comer, bem lentamente, continuando minha observação. Percebi que todos esses homens e mulheres não conversavam à mesa, sequer se olhavam, nem carinhos eram trocados gratuitamente, mesmo que discretamente. Achei muito estranho. Esses casais não conversavam, não se tocavam. Refleti sobre o que estava acontecendo, o que poderia não ser de hoje. Então, pensei que não deve ser obrigatoriamente só com esses pares de machos e fêmeas. Acho que sempre foi assim com quase tudo, com quase todos os animais. Com os supostos e futuros cônjuges, isso é mais visível, eles não conversam. Me pergunto: quando é que conversam? Quando têm de pagar contas?, decidir quem vai à reunião de pais na escola?, sobre quem vai levar o filho ao médico? e tantas outras responsabilidades que acumulam na vida?

Provavelmente, sempre deve ter sido assim. Desde antes de meus avós até este momento. Os casais devem pensar que a vida em casal se restringe aos momentos de conversas sobre os problemas, sobre os filhos e também aos momentos de sexo.

É uma pena observar que o romantismo, o toque, o olhar, a vida conjugal agradável e carinhosa é ceifada da demonstração pública em sociedade. Uma vez condenado o beijo em público, mesmo que seja um selinho, condenam-se também as demonstrações de carinhos, os toques, os olhares insinuantes; mata-se todo o romantismo, transformando a vida conjugal num ato mecânico, separado, ainda, pelo o que pode e o que não pode.

Realmente, a modernidade, pelo o que parece, veio pra revolucionar o mundo, mas prometendo respostas que até hoje não pode dar.



Adams Alpes, São Bernardo do Campo, agosto de 2013.

domingo, 22 de setembro de 2013

O terço branco pendurado
 

Era um domingo de primavera. O primeiro domingo de primavera, pra ser mais exato. Eu estava indo de ônibus da pequena cidade em que morei durante grande parte da minha vida, Caçapava, a Taubaté, cidade vizinha, onde nasceram eu e o Monteiro Lobato. De repente, depois de alguns minutos de viagem, volto minha visão dos pastos verdejantes da zona rural que o coletivo em que estava corta e vejo um terço branco pendurado. Esse terço estava onde as pessoas costumam levar as mãos pra se segurarem de trancos e solavancos. Então, num lapso de memória, aquele terço me fez lembrar de minha infância, de quando em todos os carros que andei era visível um terço pendurado no retrovisor. É óbvio que, no começo, eu não entendia o porquê daquilo nos carros. Porém, meus pais explicaram que era pra abençoar e, como diria minha avó, “benzer o carro, meu filho”, pra que nada de mal ocorresse com as pessoas de dentro do automóvel.

Contudo, aquele terço me fez pensar em como um simples objeto, cheio de bolinhas ligadas por uma cordinha e com uma cruz na ponta, poderia ser tão poderoso. É claro que não entendi isso de imediato, quando criança. E foram necessários anos e anos pra que isso acontecesse. Hoje, eu entendo que toda proteção vem do poder da fé, que, no meu ponto de vista, junto da liberdade, ninguém tira de alguém.

Com isso, me peguei pensando se não sabia se me sentia mais protegido no ônibus com aquele terço branco desconhecido pendurado. Apenas sei que sempre ando pra cima e pra baixo com santinhos em tudo o que tenho: carteiras de documentos, com RG, CPF e outros; carteira profissional; malas, mochilas etc. Ainda assim, acreditem: nunca fui assaltado, mesmo em cidades grandes e perigosas, como São Paulo e Rio de Janeiro, e sequer fiquei desempregado, desde que comecei a trabalhar.

Sendo assim, posso parafrasear Shakespeare e dizer: “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”, e uma delas é a fé. E o mais incrível foi que, ao voltar para Caçapava, no final do dia e no mesmo ônibus, lá estava o mesmo terço branco desconhecido, mas que tive a impressão de conhecer a minha fé.

 


Caçapava/Taubaté, setembro de 2013.
A balela do amor próprio
 

Não existe esse negócio de amor próprio. Tudo isso é papo furado de pessoas ressentidas. Esse ressentimento se explica, justamente, pela necessidade e da carência da pessoa sentir de que precisa mais do outro do que, realmente, de si. Logo, o tal sentimento de amor próprio que todo ressentido busca não passa de uma desculpa esfarrapada para ser aprovado, aceito, amado etc. pelo o outro ou pela sociedade.

Sendo assim, entrar em uma academia, grudar nos amigos, conhecer inúmeras pessoas que não ficarão em sua vida e a filosofia do “pego, mas não me apego” fazem parte de um problema ainda maior e mais complexo: a puríssima e desesperadora necessidade de ser aceito em grupo e, principalmente, pelo o outro.

Por isso, as pessoas malham, cada vez mais, horas e horas inesgotavelmente, para que a sociedade as aceite e para impressionar o outro. Também é por isso que elas conhecem e colecionam dia a dia pessoas novas para abrir o leque de opções e, como não deveria ser diferente, óbvio, para impressionar alguém, o novo, porque os que estão em sua vida, neste caso os velhos, não se impressionam mais.

Além disso, as pessoas pegam sem se apegar na tentativa incansável de um eterno esperar de que o outro pegue e se apegue nelas. Dessa forma, o mito de Narciso é a representação dessa eterna busca pelo amor próprio e, inclusive, pela a impressão causada no outro, isto é, dessa necessidade do outro: ele, Narciso, ao se olhar no lago, pensou se tratar de outra pessoa, uma vez que não conhecia sua fisionomia; assim, ao querer encontrar com essa outra pessoa, adentrou no rio, pensando que poderia se aproximar daquele outro que o dominou com sua beleza; talvez, nesse momento, percebeu que a imagem refletida no lago tratava-se de ser a dele mesmo.

Portanto, o propósito do amor próprio é sempre o outro, e não o auto, a si mesmo. E para piorar a minha indignação com essa balela do amor próprio, me irrito mias e mais ao abrir o facebook e ver posts sobre o amor próprio, hashtags e o escambal a respeito de como a pessoa age para reconquistar o amor próprio. Como eu disse, não passa de balela voltada para o outro.

 


Rio de Janeiro, setembro de 2013.