domingo, 1 de julho de 2007

LEVE SOFRIMENTO

Algumas Luas passadas, no meio da noite, eu peguei meu travesseiro falando com o meu tênis, chamado All-Star. Eles estavam em uma prosa prazerosa. O falatório era tanto que até despertou-me de um sono gostoso. Eles falavam da vida. Não da minha, mas da alheia. Quando vi a cena, levantei-me na hora, corri à parede para acender as luzes, mas não acendi. Então, corri para a cadeira e liguei o meu computador. O quarto iluminou-se com o pouco da claridade que a tela do monitor reluzia nas paredes. Ali, sentado em minha cadeira, eu ouvia a animadora conversa, que já durava algumas cantadas de grilos. Enquanto proseavam, pensei: “como podem falar da vida alheia, se meu travesseiro apenas recebe a minha cabeça todas as noites e ninguém mais entra em meu quarto? E o meu tênis, como pode querer falar da vida alheia, se ele apenas calça meus pés e de mais ninguém?”. Foi exatamente no ponto mais alto da conversa, o clímax, que percebi que eles falavam não só de mim, mas dos muitos “mims” que eu tinha e também das pessoas que viviam comigo.
Aquele papo começou a ficar estranho. Sai do quarto e fui ao banheiro lavar o rosto, escovar os dentes, vestir a minha roupa de dormir, composta de uma calça de moletom e uma camisa de flanela, com a manga comprida. Enquanto tudo isso passou em questão de estaladas de dedos, eu pensava apenas que toda aquela conversa não ia dar em nada e que poderia ser apenas uma ação de algum neurônio em minha cabeça, transformando o meu sonho em pesadelo.
Sai do banheiro. Desci à cozinha. Tomei um copo de água gelado, porque só tomo água gelada e tornei a subir as escadas, de volta ao meu aposento. Quando parei na porta, levei um susto. Meu travesseiro estava no chão e meu All-Star simplesmente havia se escondido em algum lugar.
Achei tudo aquilo curioso. O que estava acontecendo ali? Que conspiração era aquela contra a minha pessoa? Será que era realmente tudo um sonho?

Ao ficar espantado com o acontecimento, decidi não pegar o travesseiro do chão e deixar o All-Star onde quer que ele estivesse, esquecendo a hipótese de procurá-lo ainda aquela noite. Claro, que só fui achá-lo mais tarde, após procurá-lo muito, no dia seguinte.
De repente, eu estava inconsciente, mas conseguia sentir o meu corpo rolando de lá para cá na cama. Eu estava com frio e coberto por duas colchas, um cobertor bem grosso e macio, e mesmo assim, o frio não passava, persistia em atingir os meus ossos e fazer do meu sono um leve sofrimento.

Em uma tarde tranqüila, ao chegar a casa, meu travesseiro e meu All-Star não estavam em meu quarto. Sumiram! Passaram dias fora.
E em outra noite, depois de chegar da faculdade, entrei em meu quarto e peguei o All-Star e o travesseiro calados. Estavam atônitos. Eu os olhava, com a esperança de que dissessem algo, mas nada foi dito. Pelo menos, dessa vez, à noite, consegui dormir.

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